
Jimmy Cliff carrega em sua trajetória não apenas a história de um artista, mas de um país, de uma diáspora e de uma esperança que atravessou oceanos. Seu legado se desenha como um mapa traçado com suor de imigrante, brilho de visionário e a obstinação de quem sempre soube que havia “muitos rios a atravessar”.
Ainda assim, ele seguiu, e seguiu cantando com sua linda voz.
Ainda jovem, embarcou para Londres em busca de oportunidades e descobriu outro tipo de ilha: fria, cinzenta, desconfiada do estrangeiro. Nesse percurso, Cliff começou a compreender de forma visceral o que significava ter “uma longa estrada a percorrer”. E foi justamente no exílio que sua arte se transformou em bússola mundial.
O pioneirismo de Jimmy Cliff no reggae não está apenas no fato de ter sido um dos primeiros a levar o ritmo para o mundo, mas no modo como ele misturou o espírito jamaicano com a urgência de uma geração que buscava voz. No cinema, com “The harder they come”, fez mais do que protagonizar um filme, pois inaugurou um imaginário planetário sobre a Jamaica e ofereceu ao mundo uma canção que dizia, com verdade cortante, que “quanto mais eles tentam me derrubar, mais eu me levanto”. Um hino de resistência, ponte entre opressões distantes e alento para quem acredita que a dureza do mundo não pode esmagar todas as flores.
Em suas composições, Cliff, misturando reggae, soul, gospel etc, insiste em lembrar que “é um mundo maravilhoso, gente bonita”. Não como otimismo ingênuo, mas como afirmação política: o mundo só se torna maravilhoso quando reconhece a dignidade dos que foram esquecidos. Por isso, o ativismo de Jimmy Cliff nunca soou apenas panfletário, mas como canto natural de alguém que tinha um “rebelde em si” que o fazia despertar o “amante interior”, que não se dobra, que insiste em acreditar na igualdade e no poder transformador da arte. Jimmy tinha ainda uma profunda relação com o Brasil, que o acolheu como um dos seus. Hoje, quando ouvimos sua voz, clara, luminosa, resiliente, ela nos lembra que a rebeldia interior é a semente da liberdade e a música abre caminhos onde só havia muros. Um gigante.
Romero Carvalho
Jornalista Cultural
Dr. em Ciência da Religião



