A Ciência é objetiva? (por Luis Giffoni)

Aristóteles foi um gênio. Um gênio até hoje venerado. Com razão. Sua lógica irrepreensível se mostrou tão [...]

Aristóteles foi um gênio. Um gênio até hoje venerado. Com razão. Sua lógica irrepreensível se mostrou tão convincente que fez até a cabeça de Deus. O filósofo provou que um ser perfeito jamais criaria o Universo com a Terra fora do centro, tampouco faria a órbita dos planetas diferente do círculo, figura geométrica então considerada ideal. A bela argumentação, o Sol girando em torno da Terra, desembocaria nos mil anos conhecidos como Idade das Trevas. Note-se que o heliocentrismo circulou mais ou menos à época de Aristóteles, proposto por Aristarco de Samos, mas não conseguiu vencer a irrepreensível lógica aristotélica. Deu no que deu.

Diante do triunfalismo científico destes dias, decorrente por exemplo da comprovação das ondas gravitacionais ou dos buracos negros, é blasfemo criticar a ciência e seu método. Como um dia foi blasfema a crítica ao geocentrismo. Ninguém mais será queimado na fogueira pela ousadia de nadar contra a corrente, mas reputações serão colocadas em xeque. Lembro-me do filósofo Thomas Kuhn que, ao questionar aspectos do método científico, quase foi linchado pelo dito “establishment”. Mandaram-no opinar sobre assuntos de que entendesse. Até parece que físicos ou biólogos não devam falar de filosofia – ou que não falem. Ou que a discussão intelectual deva submeter-se a reservas de mercado.

A ciência não é uma ficção, mas cientistas podem fazer ficção – e das boas. Como fazem. Com ar douto e professoral. Com a empáfia de quem sabe tudo. Com a segurança de seu método.

A objetividade carrega um pouco de seus autores. Somos todos ficcionistas. O uso da imaginação leva a descobertas. Ou a ficção científica. Atravessar buracos negros para chegar a pontos distantes do universo, por exemplo. Ou supor que existem 10, 20 ou 30 dimensões além das quatro conhecidas. Ou que, a nosso lado, sem que consigamos ver, existe um mundo paralelo, diminuto ou sem fronteiras. Daqui a pouco um pastor vai dizer que o paraíso fica lá, quer dizer, aqui, nas nossas mãos, mas invisível. Num grão de areia de William Blake. A explicação junta a fome com a vontade de ganhar dinheiro dos pregadores picaretas em plantão permanente.

Murray Gell-Mann, por muitos considerado o maior gênio da ciência da segunda metade do século 20, autor da teoria dos quarks, desdenhava qualquer tipo de discussão periférica e preferia dedicar-se à pesquisa objetiva. Pesquisa objetiva? Ele deve ter sua razão, já que criou toda uma série de partículas subatômicas, hoje com existência comprovada. No entanto, o questionamento do fazer e da produção científica precisa ser mantido e incentivado. Senso crítico nunca deve faltar. Afinal, Aristóteles também foi um gênio, e ideias geniais de cientistas podem não passar de ficção. E corremos o perigo de que não haja um menino por perto para gritar que o rei está nu.

Luis Giffoni é Escritor, Membro da Academia Mineira de Letras. Prêmio Jabuti

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