Bolhas Especulativas e Crises (por Carlos Primo Braga)

O excepcionalismo da economia dos EUA começa a enfrentar uma série de desafios. No âmbito político, o controle exercido por Donal Trump no que diz [...]

O excepcionalismo da economia dos EUA começa a enfrentar uma série de desafios. No âmbito político, o controle exercido por Donal Trump no que diz respeito ao Partido Republicano apresenta fissuras associadas com a “novela” do acesso aos documentos do pedófilo Jeffrey Epstein e os resultados adversos de eleições recentes (particularmente, as eleições de candidatas democratas aos governos da Virgínia e de Nova Jersey). Pesquisas de opinião indicam uma queda significativa da popularidade do Presidente Trump.

Mas é o impacto da inflação sobre as camadas mais pobres da sociedade, que ilustra o maior desafio enfrentado pela administração Trump. Uma economia operando no formato de uma letra K — com uma elite se beneficiando de resultados no mercado de capitais (a parte ascendente da letra K), enquanto as classes de renda média e baixa enfrentam dificuldades no mercado de trabalho, salários estagnados e custo de vida elevado (o segmento inferior da letra K) — contribui para promover tensões sociais. E a concentração de resultados positivos das ações do setor de alta-tecnologia geram preocupações sobre o potencial de uma bolha especulativa que poderia desencadear uma crise financeira.

Bolhas especulativas ocorrem, por exemplo, quando se observa um aumento significativo em valores de certas ações no mercado acionário que não são consistentes com fundamentos econômicos. Sam Altman, o CEO da empresa OpenAI, recentemente observou que investidores podem estar “excitados” em demasia com relação às empresas líderes na área de inteligência artificial (IA). Ao mesmo tempo, ele afirmou que os avanços no desenvolvimento de IA caracterizam uma das inovações tecnológicas mais marcantes dos últimos tempos.

Uma possível explicação para o que está ocorrendo nos mercados financeiros consiste na proposição de que estaríamos observando uma “bolha racional”, uma caracterização sugerida por Michael Spence (Prêmio Nobel de Economia, 2001). A tese subjacente a essa proposição é a de que no caso de tecnologias de propósito geral (aquelas que podem ter um efeito transformador em toda a estrutura econômica; exemplos: eletricidade, computadores, Internet) é possível observar um comportamento típico de exuberância irracional, associado com aumentos exagerados nas ações de empresas de alta-tecnologia, em paralelo com mudanças estruturais na economia. Nesse contexto, embora muitas das apostas em IA venham a desapontar investidores no futuro, algumas dessas apostas irão gerar retornos substantivos.

Essa visão “otimista” se baseia na expectativa de que a IA irá afetar significativamente a produtividade das economias líderes em investimentos em alta tecnologia além de promover uma nova era de inovações de grande impacto (robótica, energia sustentável, medicina, computação quântica etc.). É importante, porém, reconhecer que os riscos macroeconômicos associados com os trilhões de dólares sendo investidos no ecossistema de IA (data centers, microchips…) são significativos.

Hyperscalers” (empresas como Meta, Amazon, Google/Alphabet e Microsoft) estão utilizando SPVs (Sociedades de Propósito Específico) para financiar os investimentos épicos que estão ocorrendo, por exemplo, em data centers. Esses mecanismos de engenharia financeira permitem evitar que o financiamento contamine explicitamente o balanço empresarial. A realidade, porém, é que esse processo gera uma alavancagem financeira opaca, que pode resultar em ajustes econômicos significativos caso a promessa tecnológica da IA não se traduza em resultados concretos no médio prazo.

O mercado acionário dos EUA ilustra a “corrida ao ouro” concentrado nas “7 magníficas” (as já mencionadas hyperscalers mais a NVIDIA e a Tesla). As ações das “7 magníficas” no período janeiro 2019-novembro 2025 aumentou em cerca de 1057% enquanto as outras empresas que compõem o índice SP500 registraram um aumento de 132% no mesmo período.

Em síntese, uma eventual crise financeira no ecossistema de IA pode gerar não apenas a ruptura da bolha tecnológica, mas também impactar a economia global de forma significativa.

Carlos Primo Braga é Ph.D. em Economia pela Universidade de Illinois Urbana-Champaign, Professor Associado da Fundação Dom Cabral. Foi Diretor de Política Econômica e Dívida do Banco Mundial. Autor.

Compartilhe esse artigo: