
A visão de robôs humanoides realizando tarefas domésticas, carros autônomos nas ruas e drones de entrega de comida não é mais ficção científica; é uma realidade em construção, impulsionada pela Inteligência Artificial (IA) e pela incessante evolução tecnológica. Embora esses avanços prometem um futuro de maior eficiência e comodidade, eles acendem um alerta crucial sobre o abismo social – uma preocupação legítima que merece uma análise aprofundada.
O argumento de que a IA destrói empregos de um lado, mas cria muitos outros do outro, é frequentemente citado. No entanto, é fundamental olhar para a natureza desses empregos.
A principal preocupação reside no deslocamento de mão de obra. Tarefas rotineiras, repetitivas e baseadas em trabalho manual ou operacional de baixa qualificação, como a entrega, o atendimento ao cliente (em call centers automatizados) ou a montagem em linhas de produção, estão entre as mais suscetíveis à automação.
Ameaça à base: O grupo de trabalhadores com menor escolaridade e qualificação profissional, que já enfrenta dificuldades socioeconômicas, é o mais vulnerável à substituição por sistemas autônomos e robótica.
Nova Demanda: Por outro lado, a criação de novos empregos ocorre predominantemente em áreas altamente especializadas, como:
− Desenvolvimento e engenharia de IA.
− Análise e ciência de dados.
− Cibersegurança.
− Funções que exigem criatividade, pensamento crítico, inteligência emocional e resolução complexa de problemas, habilidades que as máquinas ainda não replicam com excelência.
Essa dinâmica configura um cenário onde a demanda por mão de obra menos qualificada diminui, enquanto a procura por profissionais com alta qualificação digital e técnica dispara, resultando em um aumento da disparidade salarial e, consequentemente, no agravamento do abismo social. Os “ricos” em capital e qualificação tendem a se beneficiar exponencialmente, enquanto os menos favorecidos correm o risco de se tornarem obsoletos no mercado de trabalho.
O problema do aprofundamento da desigualdade não se limita apenas à perda de empregos, mas também ao acesso desigual às ferramentas e à educação necessárias para a adaptação. Em países com profundas disparidades sociais, como o Brasil, a infraestrutura básica (internet de qualidade, dispositivos adequados) e o acesso a um sistema de ensino que prepare o indivíduo para a Era Digital ainda são privilégios.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) já alertou que a IA pode agravar a desigualdade de renda entre países ricos e pobres, transferindo mais investimentos e oportunidades para economias avançadas onde a automação já está consolidada.
Se o acesso à requalificação e ao conhecimento digital for elitizado, o crescimento econômico gerado pela IA tenderá a se concentrar nas mãos de uma pequena parcela da população, marginalizando ainda mais os grupos já vulneráveis.
O avanço da IA é inegável, mas o aprofundamento do abismo social não precisa ser inevitável. É necessária uma ação coordenada e estratégica que envolva governos, setor privado e a sociedade civil:
− Reforma Educacional Urgente: É vital que os sistemas educacionais incorporem habilidades digitais, pensamento computacional e o desenvolvimento de “soft skills” (colaboração, adaptabilidade) desde cedo, tornando a tecnologia uma competência transversal e acessível a todos.
− Políticas de Requalificação em Massa: Investimentos pesados em programas de educação profissional e requalificação para adultos deslocados pela automação, com foco nas novas demandas do mercado, são cruciais.
− Inclusão Digital como Prioridade: É necessário garantir a infraestrutura de banda larga e o acesso a dispositivos para a população de baixa renda, transformando a inclusão digital em uma política pública de base.
A tecnologia tem o potencial de ser uma força de equalização social, democratizando o acesso à informação e à produtividade. No entanto, se o seu desenvolvimento e adoção forem deixados exclusivamente ao sabor do mercado, o risco de um fosso social sem precedentes é real. O desafio é garantir que a “Era da IA” seja uma era de prosperidade compartilhada, e não um motor de desigualdade.
Bruce Grant Geoffrey Payne Glazier
Membro Externo e Presidente do Conselho Consultivo da Fex Agro Comercial
Diretor da Valoradar
Trabalhou nos Bancos Lloyds, Singer & Friedlander e Mizuho e nas empresas Abril, Suez Environment, TCP Partners e BTG Global
Membro de Conselho certificado pela Fundação Dom Cabral
Mestrado em Finanças pela London Business School
Bacharelado em Economia e Ciências Políticas pela Northwestern University
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