A criança, o celular e o coelho de Alice (por Helinho Faria)

O mote é incisivo - “Juventude segura. Porque a realidade vale mais”.. [...]

O Conselho Regional de Medicina divulgando campanha publicitária com raro senso de oportunidade: as peças convidam, estimulam as crianças, e os pais da meninada, a trocar o aparelho celular durante algumas horas do dia por brinquedos como a bola, bicicleta, patinete, peteca. O mote é incisivo – “Juventude segura. Porque a realidade vale mais”.

E por que o CRM mineiro tomou essa decisão? A comunidade médica, não só de Minas mas de todo o país e do mundo, vem constatando, impotente, o crescente efeito nocivo do celular na saúde orgânica e mental de crianças e adolescentes. Além de casos de anemia, diabetes, visão deficiente e dores de cabeça, também problemas psicológicos de alta gravidade como insônia, vício em aplicativos de jogos (incluindo as bets), depressão e até suicídios.

Muito oportuna essa iniciativa do CRM, embora saibamos que uma campanha publicitária, por mais criativa que seja, não consegue resolver esse intrincado problema social, familiar, que é o uso inadequado do aparelho celular.

Logo após ver na TV essa bonita campanha, assisto na mesma telinha reportagem mostrando para o Brasil imagens fortes de um professor do Distrito Federal sendo agredido com violentos socos por pai de uma aluna. Motivo: o mestre teria proibido a menina de usar o celular durante as aulas, e ela comunicara o fato ao pai.

Na minha modesta opinião, já passou da hora de se adotarem medidas mais incisivas em torno da questão. A decisão de alguns estados e prefeituras de proibir o uso do celular nas escolas, o que não ocorre de forma generalizada e consensual no país, é apenas uma dessas medidas. Como as eventuais campanhas publicitárias orientando a criançada a pensar em sua saúde, dividir seu tempo com práticas saudáveis.

Torna-se necessária uma ação de maior envergadura, ultraenvergadura, reunindo a sociedade e todos os seus segmentos, para, num macromutirão, se analisar a complexidade do problema e partir para sua solução, ou sensível amenização.

Tantos ministérios existem, quantos surgem a todo momento, sob os mais diversos temas e muitos eivados de uma clara desimportância social, e nenhum voltado para a criança e adolescentes e sua saúde física e emocional. Enquanto isso a cadeia produtiva da indústria do celular, tendo por adereços as iscas, as fisgas, de jogos e apps nocivos como as próprias bets, focados no poder econômico dos pais ou responsáveis. arrebanham, seduzem, conquistam cada vez mais seguidores.

A saúde infantil, infanto-juvenil, merece atenção maior por parte de governo e sociedade civil. O uso inadequado, excessivo do aparelho celular é hoje uma epidemia. Ouso dizer pandemia, devido à sua dimensão, mundial. Campanhas impactantes e de alta penetração, como Covid-19, dengue, e vacinação e outras, que mostraram e ainda exibem resultados exuberantes para a sociedade, justificam claramente uma investida maciça e imponente em prol da criança.

O menino, a menina, os adolescentes, são o futuro de amanhã, vêm apregoando há séculos representantes do meio político e de outros segmentos. Por que, então, não se garantir o futuro da criançada, numa luta massiva, apartidária, sem respingo de qualquer ideologia que não seja a defesa da saúde da criança? De nossos filhos, nossos netos e bisnetos?

O tempo urge, já disse um coelho para uma menininha, como vimos na obra de Lewis Carroll.



Helinho Faria é Publicitário, CEO da FAZCOM, Presidente do Conselho de Comunicação da ACMinas – Associação Comercial de Minas Gerais, e Autor