
Ares de fim de ano ou prenúncio do espírito natalino, o certo é que o cronista amanheceu moralista, com perdão da má palavra.
Coisa curiosa a moral. Foi criada para ensinar ao homem como usar sua liberdade para ser feliz e acabou sendo uma corrente a lhe atar os pés. Sob uma ou outra forma como se apresenta, sempre me provocou curiosidade. Lembro-me de que eu tinha o hábito de ficar observando os colegas para ver quais, sob os conceitos que então nos ensinavam, pareciam bons ou maus. Minha impressão era sempre contrária aos estereótipos que nos incutiam. Causavam-me antipatia os meninos muito comportados que se sentavam nas primeiras filas, ao passo que os outros, os desalinhados que se espalhavam pela sombra dos cantos da sala de aula, pareciam-me mais interessantes por neles distinguir o que era “errado”.
Depois, quando me caíram às mãos os primeiros romances, logo fascinaram-me os tipos apresentados como marginalizados e proscritos. Interessava-me saber por que eles tinham se tornado no que eram e achava curioso que nem sempre suas ações correspondessem ao que se convencionou chamar de mau ou perverso. Ao contrário, quase sempre eram criaturas de bem, algumas mesmo talentosas, mas não aceitas no seu meio. E assim surgiu e cresceu meu interesse pelos personagens de Conrad, de Dostoievski e de Somerset Maugham, pela desagregação moral e psicológico de seres humanos e por tipos como Strickland, de Um Gosto e Seis Vinténs que, tendo abandonado tudo para viver como bem entendia, surpreendeu seu interlocutor com esta afirmação: “Sou apenas um homem”.
Mas o que é um homem ou mulher normal, de acordo com a moral? Esse conjunto de regras de conduta sempre teve por parte das pessoas interpretação tão peculiar que Sócrates, fundador da Ciência Moral, foi condenado à morte por suas ideias. E quais eram essas ideias? Ele pregava que a moral tem por fim a felicidade, que entendia como sendo a sabedoria.
As teorias morais de um filósofo representam a tradução dos sentimentos e dos costumes do seu tempo e, por isso, vale a pena conhecer o que entendia por moral o grande Aristóteles que viveu naquela que é tida como a mais sábia das civilizações, a helênica. Pois ele entendia que o que importa no homem bom ou virtuoso não é sua opinião, mas o que ele vive e realiza. Que o homem é verdadeiramente homem quando age de acordo com sua consciência, quando sabe discernir com segurança entre o bem e o mal. A virtude -ensinava Aristóteles- é um hábito que tem seu princípio na inteligência e na liberdade e, para se saber qual a medida da felicidade de um homem, é necessário procurar quais são as ações que mais se amoldam à natureza humana, àquilo que é a sua própria essência e o distingue dos outros seres. Por fim, a razão deve conduzir as ações humanas e viver segundo a razão é servir-se das paixões, em lugar de ser delas escravo.
Como se vê, os antigos eram bem mais sensatos, e modernos, do que nossos virtuosos legisladores e até no bom comportamento se deve por alguma sobriedade.
Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.



