O tempo e a Guerra dos Sexos: uma reflexão sobre sincronia e conflitos (por Elson Pimentel)

O tempo, nas relações entre homens e mulheres, é mais que um relógio biológico: ele aparece em várias dimensões diferentes para provocar desejos, adiamentos e reconciliações. [...]

O tempo, nas relações entre homens e mulheres, é mais que um relógio biológico: ele aparece em várias dimensões diferentes para provocar desejos, adiamentos e reconciliações. Pretendo aqui examinar algumas dessas formas nas relações de um casal, em quatro episódios: (1) decisões com prazo limitado; (2) a sincronização das escolhas; (3) horizontes de vida; e (4) a ética do legado.

Episódio 1 – Decisões com prazo limitado

Há momentos na juventude em que as circunstâncias nos pressionam a decidir o essencial. Nem sempre se tem as condições para experimentar várias profissões antes de se decidir por qual caminho seguir; nem é possível experimentar um leque de parceiros para escolher com qual se casar. Não há como selecionar um conjunto de candidatas ou candidatos, nem estabelecer critérios perfeitos de escolha.

Herbert Simon mostrou que, na vida real, raramente escolhemos o ótimo; paramos a busca na primeira opção suficientemente boa, que atenda a critérios mínimos aceitáveis e dentro do tempo que tivermos. Exemplo: “é mais provável que um jovem propenso ao casamento faça uma proposta à mulher mais atraente dentre as disponíveis no seu círculo de relacionamento do que procure longamente por uma companheira ideal preconcebida”.

No caso de casais, espera-se que essa procura aconteça a partir dos dois lados e que a solução será um encontro satisfatório para ambos.

Episódio 2 – A sincronização das escolhas

Um dos modelos clássicos da Teoria dos Jogos é a chamada Guerra dos Sexos. Ele ilustra bem os dilemas cotidianos de um casal que deseja passar o tempo junto, mas tem preferências diferentes sobre o que fazer. Veja: um deles prefere ir ao futebol, mas, no mesmo horário, o outro não quer perder a última apresentação de uma peça de teatro.

O cerne do conflito não está apenas na diferença de gostos, mas no valor que ambos dão à companhia um do outro. Cada um prefere ceder à escolha do parceiro a ficar sozinho fazendo o que gosta. Assim, mesmo que um dos dois não vá ao evento de sua preferência, ainda se sente satisfeito por estarem juntos.

Há, no entanto, duas formas estáveis de resolver essa situação, e nenhuma delas é claramente “melhor” que a outra. O casal pode acabar no futebol ou no teatro, desde que concordem em ir ao mesmo lugar. Já quando cada um insiste em seu desejo sem considerar o outro, o resultado é frustrante para os dois: ou ficam separados, ou acabam em um impasse que ninguém quer. A dinâmica desse jogo é um tema que aparece muitas vezes na literatura e no cinema.

A Guerra dos Sexos revela algo essencial nos relacionamentos: a vida a dois oscila entre momentos de sintonia e de divergência. O equilíbrio não vem de eliminar diferenças, mas de encontrar formas de sincronizar escolhas, mesmo quando os desejos individuais não coincidem.

Episódio 3 – Horizontes de vida

Certo dia, já aposentados e com pouco mais de cinquenta anos de idade, minha mulher me fez uma proposta: vender nosso segundo apartamento e usar o dinheiro para viajar. Soava como um chamado para uma nova fase, cheia de aventuras e descobertas. Surpreendido, hesitei.

Naquela época, eu estudava o fator de desconto, um conceito da Teoria dos Jogos que mede quanto valoramos o futuro em relação ao presente. Quando esse fator é baixo, o futuro importa quase tanto quanto hoje; quando é alto, o presente domina nossas escolhas, como se o amanhã não valesse quase nada.

Filósofos como Hume já haviam observado essa espécie de “miopia”: tendemos a dar mais peso ao que está próximo no tempo ou no espaço. Mas o que define esse horizonte pessoal? Acho que vem de uma intuição íntima sobre o próprio futuro. Alguns enxergam longe e poupam o presente para o que virá; outros sentem o tempo se encurtar e preferem viver o agora.

Foi isso que percebi na proposta da minha mulher. Enquanto eu via um futuro amplo e promissor e, por isso, adiava prazeres, ela parecia sentir o horizonte se fechar. Para ela, o presente era urgente; para mim, o futuro ainda era um território a ser construído.

Essa experiência pessoal revelou que o desencontro se deu não entre meras preferências, mas nos horizontes de vida que se mostraram naturalmente distintos. Não se tratava apenas do quê e do quando, mas de quanto tempo cada um esperava que ainda tinha para viver.

Episódio 4 – A ética do legado

O fenômeno do horizonte de vida, revelado na experiência pessoal, encontra eco na teoria dos jogos repetitivos com prazo conhecido.

Quando o parceiro se vai, ou quando a contenda a dois já não é mais o centro da cena, resta um novo tipo de jogo, não mais contra o outro, mas contra o próprio tempo. É quando acontece o “efeito do fim do jogo” relatado na teoria: em interações repetidas com prazo conhecido, os jogadores tendem a não mais cooperar nos últimos lances, pois já não há futuro a preservar. A lógica egoísta toma conta: “por que ceder agora, se não haverá amanhã para colher os frutos do altruísmo?”

No entanto, a vida humana, em geral, não é um jogo com data marcada. Mesmo diante da finitude, ainda nos resta uma margem de manobra: em vez de sucumbir à lógica do último lance, podemos escolher agir como se o futuro ainda existisse — não o nosso, mas o dos outros. Essa é a ética do legado: não maximizar ganhos pessoais, mas investir em ações cujos efeitos florescerão depois que partirmos.

Assim, o verdadeiro equilíbrio do fim da vida não está em satisfazer desejos remanescentes, mas em deixar algo que continue a gerar valor, tais como um gesto, uma ideia ou um cuidado. Nesse novo jogo, a vitória consiste em fazer com que, mesmo ausente, nossa presença ainda faça diferença.



Elson Luiz de Almeida Pimentel
Mestre em Filosofia pela UFMG
Autor de Dilema do Prisioneiro: da Teoria dos Jogos à Ética


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