
Quem se der o trabalho de observar a linguagem falada e escrita de um povo, em um dado período, com o fim de conhecer minúcias de como andavam as coisas naquele tempo, vai sempre perceber coisas interessantes.
No Brasil, o predomínio da tecnocracia nos tempos do regime militar trouxe à tona uma terminologia toda própria que se convencionou chamar “economês”. Muito injusto para com os economistas: generalizou-se o “economês”, o modismo do linguajar técnico, que na verdade, assolou todas as categorias profissionais e que, em parte, pode-se identificar como um símbolo de dominação, um instrumento de subjugação do leigo para que “se pusesse em seu lugar”.
E assim nasceu o “economês”, como também surgiram o “engenheirês” o “medicinês”, através do que os privilegiados egressos das universidades mostravam aos comuns mortais com quem estavam falando.
Os economistas pagaram o pato porque denominavam a ponta do processo, estavam no governo, apareciam mais. E foi entre economistas que se colheram pérolas como esta, de um técnico de uma estatal, dirigida ao garçom que servia em uma reunião:
– Esta água aí está ociosa?
Ou esta, dirigida ao copeiro de outra estatal, que preparava um misto quente:
– Para quando é a decolagem desse projeto?
Mas todo mundo entrou no delírio tecnicista, como foi o caso daquele rapazinho que teve seu primeiro emprego na agência de uma empresa aérea. Logo percebeu que estava se relacionando com pessoas de nível bem superior ao seu e, para não ficar por baixo, achou de recorrer ao arsenal das expressões técnicas.
Para quem tem reserva para um vôo e não compareceu ao embarque, a palavra é no-show; ao contrário, quem não tem e comparece, é go-show. E aconteceu que um senhor, muito distinto, procurou um dia a agência para reclamar que não havia conseguido embarcar, apesar de ter feito reserva, obedecido ao horário etc. O rapazinho, muito diligente, telefonou para o aeroporto, colocou o problema, ouviu, desligou o telefone e, virando-se para o reclamante com ar de quem diz “peguei-te”, soltou esta:
– Mas, meu amigo, o senhor deu no-show no aeroporto!
O senhor distinto, que não ouviu bem, e além de tudo não estava a par dos chavões das empresas aéreas, entendeu que estava sendo acusado de ter “dado um show” no aeroporto e quase pôs abaixo a loja de passagens.
E aconteceu depois o caso em que uma senhora da alta sociedade compareceu à agência para retirar a passagem que um dos dirigentes da empresa aérea lhe havia oferecido. Para esses casos, a palavra-de-ordem é RIP, que quer dizer, “requisição interna de passagem”. E o jovem funcionário não teve dúvida. Pegou o telefone e avisou ao seu gerente:
– Tem uma RIP aqui!
A madame, que havia entendido “tem uma hippie aqui”, pôs o dedo na ponta do nariz do rapaz e abriu as comportas:
– O quê? Fique sabendo que o senhor está falando com a esposa do Dr. Fulano de Tal, que este sapato que estou usando é um legítimo Teresa Gureg, o vestido é Zoomp e o meu penteado foi feito pelo Jambert, tá legal?
E o nosso promissor tecnocrata deixou caírem os braços e gritou para o supervisor da loja:
– Não dá mais, seu Wanderley, eu… Pombas!
Qual é mesmo o termo técnico para dizer “desisto”?
Lindolfo Paoliello é cronista, autor de O País das Gambiarras, Nosso Alegre Gurufim e A Rebelião das Mal-Amadas.