
Em 2025, o mundo gastará aproximadamente três trilhões de dólares com exércitos e armamentos. Três trilhões. É muito mais que o PIB brasileiro de 2024. Posto de outra maneira, quase uma vez e meia do que cada brasileiro produziu no ano passado será usada até dezembro para matar seres humanos em algum canto do planeta. Ou para exibir força e poder. O gangsterismo de um indivíduo é proibido, porém o de países é tolerado. Os bem armados são os mais explícitos. Ou letais.
Dois terços desses gastos acontecem em nações com população majoritariamente cristã, que constituem apenas um terço da população mundial. É um paradoxo, se considerarmos o ensinamento dos Evangelhos. O paradoxo cresce se levarmos em conta que, com apenas um décimo do dinheiro investido em guerras, seria eliminada a fome no mundo, segundo especialistas da ONU. Um décimo apenas. A crueldade não conhece limites. Em Gaza, por exemplo, em vez de comida, os famintos recebem balas e bombas. Quem leva comida tem a mesma acolhida.
Sofremos muito pelos seres humanos barbaramente eliminados em atentados, porém nem tomamos conhecimento dos milhares que sucumbem à subnutrição e às guerras todos os dias na América Latina, na África, no Oriente Médio e na Ásia. Viraram meras estatísticas. E já perdemos a conta dos corpos encontrados no Mediterrâneo que pertenciam a pessoas iguais a nós em busca de esperança, fugindo de países devastados pelas lutas ou pela miséria. Se pesquisarmos a fundo, em cada nação falida há o dedinho cruel de uma potência ocidental ou emergente. Ou sua ganância brigando pelas riquezas ou pela posição estratégica desses infelizes.
Num cálculo conservador, os gastos militares, durante o século 20, chegaram a sessenta trilhões de dólares. No mesmo período, segundo o historiador britânico Eric Hobsbawm, os cadáveres produzidos pelas guerras alcançaram a estratosférica cifra de 200 milhões. Dividindo-se esses números, obtém-se algo aterrador: cada cadáver custou mais de 300.000 dólares. Repito: gastaram-se mais de 300.000 dólares para eliminar cada vítima. Quantas pessoas na Terra amealham um patrimônio de 300.000 dólares, o que as tornaria milionárias no Brasil? É muito mais caro matar que sustentar a vida. No entanto, optamos por matar. E deixar que os famintos morram também.
A tendência global para investir em exércitos e armamentos conduz a uma projeção nefasta. Mantido o atual nível de gastos militares e supondo que eliminaremos no século 21 o mesmo número de pessoas do século 20, atingiremos a incrível marca de um milhão e meio de dólares por cadáver. Isso mesmo. Faça as contas. Os seres humanos gastarão um milhão e meio de dólares para se exterminarem, caso repitam a performance assassina do século 20. Se matarmos menos, o preço macabro será ainda maior.
Criamos coisas belas na arte e na ciência, melhoramos a qualidade de vida para muitos, aprovamos uma carta dos Direitos Humanos. Com cinismo, alguns belicosos afirmam que muito do progresso resulta da guerra. Mentira. A paz rende muito mais. Somos uma espécie com instinto predador tão aguçado quanto solidário, com uma ressalva: o primeiro instinto prevalece quando a disputa ou a cobiça se insinua. Com tristeza, muita tristeza, desconfio de que o homem seja mesmo o lobo do homem. Duvida? Confira os noticiários de amanhã. Alguma bomba que custa milhões de dólares cairá hoje sobre crianças que não terão oportunidade de conhecer a vida.
Luis Giffoni é Escritor, Membro da Academia Mineira de Letras. Prêmio Jabuti