Do G7 ao BRICS+: estamos prontos para a nova ordem económica?

Em 8 de Agosto de 2025, um marco histórico alterou o mapa económico mundial: pela primeira vez, o Produto [...]

Em 8 de Agosto de 2025, um marco histórico alterou o mapa económico mundial: pela primeira vez, o Produto Interno Bruto (PIB) dos BRICS+, medido em Paridade de Poder de Compra (PPP), ultrapassou o do G7. O bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Etiópia, Irão e Emirados Árabes Unidos passou a representar 35,6% da economia global, contra 29,9% das sete economias industrializadas tradicionais. É um símbolo de mudança — mas também um convite à reflexão crítica sobre o que esta viragem significa para os próximos dez anos.

Os defensores de uma nova ordem multipolar apontam dados que não deixam de impressionar: os BRICS+ concentram 46% da população mundial (ONU, 2024), mais de 40% das exportações agrícolas e 42% das exportações globais de petróleo (UNCTAD, 2025). O bloco também detém mais de 60% das reservas cambiais mundiais e reforçou instrumentos financeiros próprios, como o Novo Banco de Desenvolvimento, com capital autorizado de 100 biliões de dólares. A aposta crescente no uso de moedas nacionais nas trocas comerciais – hoje cerca de 30% do comércio intra-BRICS – é vista como um passo concreto para reduzir a dependência do dólar.

Para o Brasil, este cenário abre um leque de oportunidades estratégicas. O país pode consolidar-se como ponte privilegiada entre América Latina, África e Europa, aproveitando sinergias na lusofonia via Portugal e Angola. Há espaço para ampliar cadeias produtivas integradas na agroindústria, criar corredores logísticos para exportações energéticas e minerais críticos, e expandir serviços digitais para mercados emergentes com proximidade cultural e linguística.

No entanto, uma análise estratégica não pode ignorar as fragilidades e riscos. O primeiro ponto é a própria métrica: a ultrapassagem do G7 ocorreu em PIB PPP, que ajusta as diferenças de custo de vida mas não reflete diretamente o peso financeiro ou a capacidade tecnológica global. Em termos de PIB nominal, o G7 mantém uma liderança clara e continua a dominar centros de decisão financeira, inovação e tecnologia de ponta.

Outro desafio é a qualidade do crescimento. Vários membros dos BRICS+ enfrentam níveis elevados de desigualdade, défices de infraestrutura e baixo índice de complexidade económica, o que limita a capacidade de gerar valor agregado. Além disso, a diversidade política e económica do bloco é enorme: coexistem potências tecnológicas como a China e a Índia com as demais economias, dependentes de matérias-primas e mais vulneráveis a choques externos. As tensões fronteiriças entre alguns dos membros, as sanções internacionais à Rússia e riscos de instabilidade política representam obstáculos reais a uma coordenação profunda.

A questão ambiental é outro ponto sensível. Embora os BRICS+ tenham potencial para liderar a transição energética – controlando parte substancial dos minerais críticos necessários – muitos continuam fortemente dependentes de combustíveis fósseis e apresentam desafios de sustentabilidade. As pressões internacionais sobre desmatamento, uso de carvão e poluição industrial serão cada vez mais relevantes na definição de parcerias e acesso a mercados.

Para o Brasil, o desafio central será transformar estas oportunidades em resultados concretos. Isso exige políticas consistentes de aumento de produtividade, modernização logística, fortalecimento da educação e da inovação, e diplomacia económica assertiva. A articulação com outros países lusófonos como Angola e Portugal pode criar um “triângulo atlântico” capaz de impulsionar investimentos bilaterais e abrir portas na União Europeia e a outros países do mercado africano. Mas sem avanços internos a nível de competitividade e previsibilidade regulatória, o país corre o risco de perder espaço para concorrentes mais ágeis.

Olhando para os próximos dez anos, podemos imaginar três cenários:

1- Num cenário otimista, os BRICS+ aprofundam a integração, aumentam o comércio em moedas locais, estabelecem corredores logísticos estratégicos e ganham maior influência em organismos multilaterais;

2- Num cenário de estagnação, as tensões internas e a falta de reformas estruturais minam o potencial coletivo, mantendo o bloco como um conjunto de economias relevantes por si mesmas, mas pouco coordenadas;

3- Finalmente, num cenário híbrido e talvez o mais provável, o crescimento e a influência avançam, mas de forma desigual, com China e Índia a assumirem a liderança do Bloco, enquanto outros membros tentam acompanhar.

O facto é que a ultrapassagem do G7 pelos BRICS+ é um ponto de partida, não de chegada. É um sinal claro que o centro de gravidade económico global está a deslocar-se para sul, mas também um lembrete de que poder económico não se traduz automaticamente em influência ou prosperidade partilhada. Para o Brasil e para o espaço lusófono, esta é uma janela rara para transformar proximidade cultural e geográfica em vantagem competitiva. Mas essa janela não ficará aberta para sempre – e a história premiará os que tiverem a visão e a coragem de atravessá-la agora.


Filipe Colaço é Engenheiro Civil pela Universidade Nova de Lisboa, MBA pela Henley Business School, e Director da Consulting Services EY Angola. Tem 18 anos de experiência em companias multinacionais, como a Deloitte e Boston Consulting Group, com projetos em Energia, Agronegócios, Mineração, Construção e Sector Público