O Avanço de Montadoras Chinesas na América Latina: oportunidades para o Brasil

A transição energética e a corrida global pela eletrificação da mobilidade colocam o setor automotivo no centro de [...]

A transição energética e a corrida global pela eletrificação da mobilidade colocam o setor automotivo no centro de uma revolução industrial. Nesse movimento, montadoras chinesas como BYD, GWM e Chery estão protagonizando uma expansão internacional estratégica — com a América Latina como destino prioritário. O Brasil, com seu histórico industrial e potencial de consumo, tornou-se peça-chave nessa ofensiva. Mas, mais do que uma disputa automotiva, essa tendência abre espaço para repensar o papel do Brasil como plataforma de inovação tecnológica e industrial verde.

O Brasil no foco da expansão chinesa

Em 2023, a BYD anunciou um investimento superior a R$ 3 bilhões para transformar a antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA) em um polo de produção de veículos elétricos. A capacidade estimada é de 150 mil veículos por ano. Já a GWM, com operação em Iracemápolis (SP), projeta investir R$ 10 bilhões até 2032, incluindo centros de pesquisa e desenvolvimento.

O mercado local responde: segundo a Anfavea, as vendas de EVs cresceram 225% entre 2022 e 2024, alcançando 130 mil unidades em 2024, com forte participação de marcas chinesas e natural enfoque no ambiente urbano. Portanto o Brasil já se destaca como mercado consumidor, mas também como base de exportação para o Cone Sul.

Breve comparativo regional: Brasil, México e Colômbia

Enquanto o Brasil de posiciona para atrair mais investimentos, o México já se consolidou como hub estratégico para exportações para os EUA, com mais de 10 fábricas dedicadas a EVs e acesso privilegiado ao mercado norte-americano via o USMCA. A BYD, por exemplo, também anunciou uma planta no México em 2024, visando exportações isentas de tarifas. No entanto todo este movimento poderá ser colocado em causa ou, pelo menos, condicionado pelas últimas decisões (e redecisões) da Administração norte-americana nesta nova “guerra” de tarifas.

Outro player relevante, a Colômbia, tem-se posicionado como mercado de teste e pólo regulatório. O país oferece incentivos fiscais para EVs, redução de tarifas e aceleração de infraestrutura de recarga, tornando-se um verdadeiro laboratório para marcas em expansão no continente. Neste aspecto, o Brasil, apesar da escala e capacidade industrial instalada, ainda carece de uma estratégia clara de competitividade regional.

Indústria automotiva como plataforma de renovação e inovação na manufactura brasileira

O avanço das montadoras chinesas pode (e deve) ser um gatilho para dinamizar o conteúdo local e induzir inovação em outros setores, sobretudo em:

1- Tecnologias de mobilidade elétrica: baterias, software associado, internet das coisas (IoT) associada ao sector, sensores e sistemas autônomos;

2- Energias renováveis e armazenamento energético: a cadeia de suprimentos de veículos elétricos é intensiva em lítio, níquel e grafite — recursos abundantes no Brasil e em parceiros africanos, tal como Angola;

3- Indústria 4.0 e digitalização da manufatura: fábricas inteligentes exigem automação, analytics e robótica, criando demanda por start-ups e empresas de base tecnológica nacionais;

4- Educação técnica e reconversão profissional: a nova indústria exige requalificação da mão de obra e maior conexão entre empresas, universidades e centros de Pesquisa e Desenvolvimento.

Políticas industriais e visão estratégica – um caminho para ampliar o impacto

Para que essa transformação não se restrinja ao setor automotivo ou a enclaves industriais desconectados da economia nacional, o Brasil poderá aproveitar esta oportunidade para adotar uma visão integrada de política industrial, tecnológica e comercial:

1- Incentivar compras públicas e parcerias tecnológicas com contrapartidas de conteúdo local;

2- Estimular start-ups e fornecedores brasileiros para sua integração nas cadeias de valor associadas a estas montadoras;

3- Utilizar a sua posição nos BRICS+ e no Mercosul para atrair investimentos estratégicos e beneficiar da correspondente transferência de tecnologia;

4- Coordenar ações com países como Angola e Moçambique em matéria-prima crítica, potenciando uma “aliança verde lusófona” de abastecimento e inovação que poderá, inclusivamente, representar o desbloqueio de mais mercados de exportação.

Em suma, a presença das montadoras chinesas é mais que uma mudança industrial: é um sinal da nova ordem global e das oportunidades que a mesma oferece. O Brasil pode permanecer como consumidor e montador ou aspirar a tornar-se um líder regional em mobilidade verde e tecnologias de ponta. Para isso, precisa conectar política industrial, integração regional e ambição tecnológica – este momento exige mais que atração de fábricas, mas também visão estratégica com foco na inovação.


Filipe Colaço é Engenheiro Civil pela Universidade Nova de Lisboa, MBA pela Henley Business School, e Director da Consulting Services EY Angola. Tem 18 anos de experiência em companias multinacionais, como a Deloitte e Boston Consulting Group, com projetos em Energia, Agronegócios, Mineração, Construção e Sector Público