
Educação sempre foi um tema de importância muito grande em minha vida. Guardo uma lembrança terna de minha bisavó Josefina Azeredo – Vó Fina. Apesar da idade, tinha um porte ereto, gostava de ver a casa cheia e era muito atenciosa com todos. Por mais de 70 anos foi professora de curso primário em escolas públicas e, aposentada, na própria escola, no terreno de sua casa em Sete Lagoas. Ela nos dizia que todo aluno seu tinha que, no mínimo, saber ler e escrever e aprender a fazer contas. Se observasse que algum deles estava passando por um período de dificuldades no aprendizado, ela se sentia obrigada a fazer um acompanhamento individualizado até que ele se recuperasse. Quando ela faleceu aos 92 anos eu estava com 15, terminando o curso ginasial.
Fui bom aluno no curso primário e passei direto, com muito boa classificação, no exame de admissão ao Colégio Estadual. Inaugurado dois anos antes, o Colégio não tinha muros. A sensação de liberdade era total. A arquitetura ousada de Oscar Niemeyer com as salas no segundo pavimento proporcionavam um imenso espaço onde os alunos, que eram aproximadamente 900 em cada turno, ficavam conversando nos intervalos das aulas, brincavam, jogavam finca, bola de meia e bola de gude. Não existia colégio igual. Aquele ambiente de liberdade, com a disciplina precariamente controlada por dois ou três funcionários, favorecia a vagabundagem e, por isso, muitos alunos perderam um ou mais anos.
Ainda no embalo da boa formação do curso primário, passei de ano no primeiro ginasial, mas, a partir de então as coisas já não andaram tão bem. Nos dois anos seguintes passei em cada um deles com duas segundas épocas e só no quarto ano voltei a me equilibrar, quando percebi que eu mesmo tinha que aprender a me disciplinar. Um aspecto importante daquela época, é que quando chegávamos ao final do curso médio a maioria dos alunos já sabia qual carreira seguiria. Os índices de aprovação dos alunos do Estadual nos exames vestibulares das melhores escolas de ensino superior eram dos mais elevados.
Passadas algumas décadas o Colégio Estadual Central, hoje Escola Estadual Governador Milton Campos, voltou de forma inesperada ao meu foco de interesse. Há cerca de dois anos meus irmãos mais velhos passando perto do colégio resolveram visitá-lo, para relembrar os velhos tempos. Foram recebidos pelo vice-diretor, percorreram os diversos prédios e pátios, fizeram fotos e conversaram com alunos e professores. Descreveram-me com entusiasmo a recepção que tiveram e eu repassei para um grupo de estudos do qual participo, formado por ex-alunos do Estadual, que se interessaram também em rever o colégio.
No final de 2023 fizemos algumas visitas e nas diversas conversas que tivemos com alunos, professores e diretores tomamos conhecimento da realidade atual da Escola. Impressionou-nos o fato de o número de alunos estar bastante aquém da capacidade das instalações. Outro aspecto que nos chamou a atenção foi que a maioria dos alunos tinha como prioridade começar logo a trabalhar, mostrando pouco interesse em seguir estudando em curso superior. Além disso, os percentuais de aprovação em boas universidades têm sido extremamente baixos em anos recentes. Diante desse quadro, começamos a pensar na criação de um grupo de trabalho voluntário com o objetivo de apoiar ações que pudessem ajudar os alunos a terem maior interesse pelo aprendizado. Ao darmos conhecimento dessa nossa disposição a antigos colegas fomos agradavelmente surpreendidos pelo número de adesões, o que nos estimulou a criar uma associação de ex-alunos.
Inevitável a pergunta: por que um grupo de septuagenários, a grande maioria já desfrutando das aposentadorias, se dispôs a apoiar ações para a melhoria da educação em uma escola pública em Belo Horizonte? Razões não faltam. Achamos que temos uma dívida com a sociedade por termos estudado em escola pública. Acumulamos uma razoável experiência de vida e ainda nos sentimos com boa capacidade de trabalho, aspectos que podem nos ajudar a encontrar os caminhos que permitam alcançar esse objetivo. Enfim, escolhemos essa escola, por ter sido ali onde fizemos os cursos ginasial (hoje, o segundo fundamental) e científico (ensino médio).
Para saber se haveria receptividade a essa ideia, fizemos diversas reuniões com a direção da escola, professores e alunos. Nessas conversas tivemos a preocupação de enfatizar que nossa ajuda seria basicamente de apoio às demandas deles. Sentimos que fomos não só entendidos, como muito bem recebidos.
A Associação dos ex-Alunos e Amigos da Escola Estadual Governador Milton Campos foi oficialmente constituída em assembleia realizada no auditório da escola no dia 21 de maio de 2024, presentes perto de uma centena de associados, ex-alunos ou não, representantes da diretoria, dos professores e dos alunos da Escola. Em conformidade com o estatuto aprovado na assembleia a Associação deverá desenvolver ações na Escola para promoção da qualidade da educação, promoção de sua cultura e história, apoio à gestão escolar e melhoria da infraestrutura.
Desde então, membros da Associação têm tido presença constante nas dependências da Escola e nos eventos dos quais seus alunos participam. Paralelamente, a Associação está se estruturando em grupos de trabalho executivos com propósito de atender às mais diversas demandas e solicitações. Como encarregado pela gestão do grupo de trabalho que cuida das relações com estudantes e professores, penso que temos um primeiro desafio: conseguir despertar nos alunos de hoje o mesmo sentimento que tínhamos no nosso tempo em relação ao Colégio. Respeitávamos os professores, colegas e responsáveis pela disciplina e também a sua já centenária história. Nós gostávamos de estar lá, tendo aula ou não. Nosso sentimento é de que o espaço e o ambiente do Colégio foram decisivos para nossas formações. Os tempos são outros, mas entendemos que ainda hoje esse é um momento da vida de cada aluno de muita importância para sua formação como cidadão.
Para que o nosso propósito de apoiar ações que beneficiem o aprendizado apresente bons resultados, como não tenho a vivência de magistério, procurei tentar entender o conceito de educação. A primeira coisa que me veio à cabeça é que a criança ao nascer tem que aprender rapidamente a respirar e mamar, para sobreviver. Assuntos que nos interessam, aprendemos com maior facilidade, outros, nos custam mais. Dei-me conta que em toda minha vida tenho estado, ora aprendendo, ora ensinando. Nas tribos indígenas isoladas as crianças aprendem com os mais velhos os modos de fazer, as regras e os comportamentos fundamentais para a sua própria sobrevivência. Entendendo que sobreviver seria o propósito primordial da Educação, de que forma o conceito poderia ser aplicado ao processo de educação do mundo dito “civilizado”?
Tenho acompanhado o permanente esforço da direção, dos professores e dos alunos na busca de ampliar os focos de interesse. Um grupo de alunos autodenominados Jovens Protagonistas criou uma série de áreas de interesse, à margem da grade escolar. Essa série inclui literatura, teatro, cinema, música, esportes, culinária etc. Os alunos se reúnem com frequência, programam e fazem visitas, com a mentoria de professores. Além das ações já em curso, temos nos empenhado na concretização da ideia de que fosse constituída pela Associação, em conjunto com a Escola e com o Estado, uma rede de atenção e cuidado para que nenhum aluno se sinta desamparado ou marginalizado. Para isso, logo no início do curso seria designado, entre professores, colegas ou membros da Associação, um “anjo da guarda” ou “padrinho” para acompanhamento do desempenho de cada aluno. Também seria interessante retomar uma prática que foi adotada em meados da década de 70 do século passado: abrir as dependências de esportes da Escola nos fins de semana aos alunos, professores e respectivas famílias.
Se conseguirmos implantar essas duas iniciativas, tenho a convicção de que haverá sensível melhoria dos níveis de aprendizado e, de certa forma eu poderia estar contribuindo para dar continuidade hoje, à missão que minha querida bisavó tão bem desempenhou em sua longa carreira de educadora.
Otávio Werneck é Engenheiro Civil, ex-Aluno do Colégio Estadual e Diretor da Associação dos ex-Alunos e Amigos da EE Gov. Milton Campos