A vez dos jovens no futebol

Os apreciadores do futebol terão uma fartura de espetáculos neste segundo semestre e até a decisão da próxima Copa do Mundo de seleções, [...]

Os apreciadores do futebol terão uma fartura de espetáculos neste segundo semestre e até a decisão da próxima Copa do Mundo de seleções, em 19 de julho, em Nova Jersey/EUA. E com um detalhe de especial relevância: também teremos em campo, principalmente quanto ao privilegiado futebol europeu – talvez como jamais aconteceu neste esporte – uma fartura de jovens talentos, preparados para enriquecer as exibições de seus clubes e seleções.

O calendário está repleto de competições imperdíveis. Do lado de cá do Atlântico, este segundo semestre nos reserva atrações como as definições da Copa Libertadores, da Copa do Brasil, os jogos de volta (o chamado returno) do Campeonato Brasileiro, e as partidas valendo as últimas vagas  sul-americanas para a Copa do Mundo de 2026.

No lado de lá do Atlântico, a Europa vai mostrar os sempre atraentes campeonatos das ligas nacionais, a milionária e fabulosa Champions League e as definições das 16 seleções que estarão classificadas para a Copa de 2026.

Em um calendário tão rico em espetáculos, com estádios lotados e uma fartura de transmissões por televisão, é lamentável, em relação ao futebol brasileiro, não se ver nos gramados um número pelo menos razoável de jovens revelações, por sinal já sobrando entre os europeus

Em meio às sérias dificuldades financeiras da maioria dos clubes do Brasil, que armazenam dívidas fabulosas, ainda assim há que se destacar o esforço atual de muitos deles de dotar suas equipes de um bom número de jogadores de qualidade, de boa experiência e muitos deles possuidores de reconhecido talento.

Mas, estamos abordando aqui, neste espaço, a questão apenas em relação aos garotos que exibem excelentes qualidades técnicas e individuais, sempre negociados para os ricos mercados do futebol europeu em transações que significam um substancial reforço financeiro para a sustentação de muitos dos nossos clubes.

Os obstáculos em relação ao aproveitamento destes jovens craques no futebol brasileiro talvez possam ser divididos em dois momentos ou duas épocas: a primeira é bem antiga, de tempos distantes, de muitos craques adolescentes que surgiam e esperavam por oportunidades que nunca chegavam ou nunca lhes eram dadas por preconceito e medo. As exceções talvez possam ser contadas nos dedos.

A segunda é recente, rotineira e bem conhecida. Ela faz do futebol brasileiro, como de tantos outros mundo afora, um fornecedor valioso de jovens talentosos ao mercado europeu. Alguns conseguem superar adversidades e conquistam o sucesso esperado. Outros, infelizmente e quase sempre por imaturidade, ficam na fila, não conseguem vencer barreiras e voltam porque as exigências dos compradores são severas.

Quando se observa e analisa o futebol do passado é que se constata como era extremamente difícil a um jovem adolescente, a uma garotada nos seus 16, 17, 18 anos, ter uma chance com um treinador da equipe profissional.

Era comum nestas épocas de muito receio, prevenção e de preconceito, o  medo de se colocar em campo um jovem que se destacava pelo talento na categoria de juvenis, com justificativas tolas e que apareciam até na mídia com o propósito de justificar o veto à escalação do atleta revelação.

Coisas como “está muito verde”, “futebol profissional é prá macho, não é pra menino”, “não vamos queimá-lo”, “tem que amadurecer”, “é um perigo para a carreira dele”, “não tem experiência e vão quebrá-lo” eram as justificativos frequentes para encobrir o medo de treinadores e também o receio que talvez tivessem de magoar os jogadores mais veteranos e “donos” das posições de titulares nas equipes.

O fabuloso Pelé driblou tudo isto. Chegou ao Santos com 16 anos e já em 1957 estava desfilando sua arte na Seleção. Soberano e gênio, aos 17 anos foi para o Mundial da Suécia em 1958 e escalado com grande coragem para aquela época porque sua genialidade ultrapassou qualquer limite do receio e medo dos que temiam colocar um adolescente em campo. Para o ataque da Copa/58, os ídolos no Brasil eram Dida (Flamengo), Vavá (Vasco) e Mazzola (Palmeiras).

Pelé foi lançado no terceiro jogo das oitavas. Não saiu mais do time e deixou o Mundial da Suécia consagrado como fenômeno do futebol mundial. A história o coloca como o melhor craque de todos os tempos.

E preconceito, pressões, receio, medo em relação ao lançamento de jovens talentos, em épocas passadas, não eram exclusividades brasileiras. A audácia que teve o técnico Vicente Feola em escalar o garoto Pelé em 1958, faltou ao treinador argentino César Luís Menotti, 20 anos depois, ao  negar-se a lançar para o mundo o segundo maior gênio do futebol que a história registra: Diego Maradona.

Em fevereiro de 1977, Maradona tinha 16 anos quando estreou na Seleção Argentina em amistoso contra a Hungria. Como narrado no livro “Copa Loca” (Editora Garoa Livros), naquela época o craque já era citado como o maior gênio que o futebol argentino havia revelado e seu grande sonho era igualar o feito de Pelé: disputar uma Copa do Mundo com apenas 17 anos.

O fim deste sonho ficou marcado como a maior magoa, revelada pelo próprio Maradona, em toda a sua carreira no futebol. Aconteceu em 19 de maio de 1978, data final da FIFA para inscrição dos 22 a serem inscritos para a Copa/78. Menotti estava com 25 jogadores e precisava dispensar três. E dispensou. Entre eles estava Maradona, que saiu da concentração aos prantos enquanto o técnico justificava o velho preconceito e medo: “Não tive escolha. Precisava de homens e não de um menino”.

O melhor neste drama todo é que Diego Maradona também driblou os preconceituosos, derrotou a frustração e se tornou um gênio no mundo da bola. A César Menotti restou reconhecer seu grande erro 40 anos depois da Copa de 1978, conquistada pela Argentina, mas sem se arrepender: “Sim, foi um erro da minha parte, mas não posso dizer que me arrependo disso. Afinal, ganhamos aquela Copa”, disse em entrevista à Rádio Mitre, de Buenos Aires.

Com o passar dos anos, os jovens que tentam a carreira no futebol, entre eles alguns que revelam grande talento, ganharam forte apoio através das modernas estruturas no futebol de base, principalmente nos grandes clubes, que tratam com muito zelo as categorias sub-15, sub-17 e sub-20. E não poderia ser diferente pois os jovens craques revelados passaram a significar para estes clubes uma forma de se arrecadar fortunas.

O exemplo mais recente e vitorioso do projeto dos clubes em relação aos jovens é o do excepcional atacante Estevão, revelado na base do Cruzeiro.  Em 2021, com 14 anos, transferiu-se para o Palmeiras. Três anos depois, já como astro no time profissional, foi rapidamente negociado com o Chelsea, da Inglaterra, com o clube paulista recebendo 61,5 milhões de euros (R$ 356,7 milhões em junho último) pela transferência.

Estevão faz parte agora da fartura de jovens estrelas de 17 a 21 anos de idade, que os grandes clubes da Europa vão mostrar na temporada 2025/26, E entre estas estrelas está o melhor jogador do mundo na atualidade: o atacante Lamine Yamal, de apenas 18 anos, do Barcelona, da Espanha, clube que fixou em 1 bilhão de euros (mais de 6 bilhões e 300 milhões em Reais) a multa por rompimento do contrato que o craque tem hoje com o clube. Vale ou não vale a pena esperar o que vem por aí?


Erasmo Angelo é Jornalista, formado em História e Geografia pela PUC/MG. Foi Redator e Colunista do Jornal Estado de Minas dos Diários Associados, e do Jornal dos Sports/Edição MG, cobrindo o futebol e esportes no Brasil e no Exterior, em Campeonatos Mundiais de Futebol e em Olimpíadas. Atuou destacadamente na TV e na Rádio, na TV Itacolomi, TV Alterosa, Rádio Itatiaia, Rádio Guarani e Rádio Mineira. Foi Presidente da ADEMG – Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais, na administração do Mineirão e do Mineirinho. Foi Editor da Revista do Cruzeiro. Autor