Oppenheimer

O filme Oppenheimer traz uma significativa contribuição para a interpretação das relações entre ciência e política. [...]

O filme Oppenheimer traz uma significativa contribuição para a interpretação das relações entre ciência e política. A política endossa a ciência sempre desde seu interesse imediato, a curto, médio ou a longo prazo. Mas a ciência continua inventiva e crítica, sempre, e se ela se choca com as estruturas de poder, o poder então vira-se contra a ciência, descartado demagogicamente e impiedosamente seus arautos e intelectuais. Isto ocorreu na Itália na ciência experimental nascente, quando a burguesia italiana ascendente bancou a atividade científica por interesse na contestação dos dogmas da Igreja e da aristocracia, deixando Galileu, entretanto, a sua própria sorte diante do Papa e da inquisição, quando já havia obtido seus objetivos. O mesmo ocorreu com o Macartismo nos Estados Unidos pós Segunda Guerra, com Trump, com Bolsonaro, na expressão política intencional da ignorância para suprimir o pensamento. No filme Oppenheimer, é nítido o descarte político de Oppenheimer quando, posteriormente à bomba atômica, ele manifesta sua preocupação com o futuro e endossa a política que alguns chamam de o “equilíbrio do terror” entre os países para curto prazo, e perspectivas de acordos de limitação das armas nucleares e de pacificação entre as nações a médio e longo prazo. Sem deixarmos de mencionar e aqui enfatizar a tragédia humana ocorrida em Hiroshima e Nagazaki.

O filme, entretanto, é dimensionado de tal forma que traz uma subestimação do papel fundamental desempenhado por Enrico Fermi, no projeto na Universidade de Chicago, na obtenção da energia e da bomba atômica, o elo fundamental entre a teoria e os resultados obtidos. Einstein, com a Teoria da Relatividade, Bohr, com a Mecânica Quântica, Planck, com a constante da energia, Heisenberg, com o princípio da indeterminação, e Fermi, com os estudos sobre radiação, foram fundamentais na elaboração das teorias que possibilitaram chegar à energia e bomba atômica. Por outro lado, Oppenheimer, físico e o primeiro engenheiro nuclear, de incontestável valor, no que se usa chamar de R&D – Research and Development, ou P&D – Pesquisa e Desenvolvimento, foi fundamental na obtenção da primeira bomba atômica. Mas entre a teoria e a prática, Fermi foi o elo fundamental da quebra do átomo pele primeira vez em dezembro de 1942 na Universidade de Chicago. No filme, Fermi aparece rapidamente em leve aceno estigmatizado à Oppenheimer, sem ser atribuída no filme a devida importância de Fermi e da Universidade de Chicago. A própria Universidade de Chicago expressou, recentemente e elegantemente, a lacuna do filme na falta deste reconhecimento. Na minha opinião, no ponto em que estavam a ciência e a tecnologia mundial em 1942, Fermi, naquele momento, fez o mais dificil. Não que o que Fermi fez tenha sido mais difícil, ou mesmo até equiparável, à Teoria da Relatividade, por exemplo, mas naquele momento era o mais difícil a se fazer. Interessante observar que Einstein, Bohr, Planck, Heisenberg, e Fermi, foram todos laureados com o Prêmio Nobel. Oppenheimer, entretanto, foi laureado pelo Prêmio Enrico Fermi, meritório, então criado pela Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos, para aqueles que contribuíram significativamente para o desenvolvimento da energia atômica.

Interessante e peculiar também observar que Fermi foi contatado para vir para a Universidade de São Paulo, criada em 1934 após a perda da Revolução Constitucionalista em 1932, feita, segundo seus líderes, para a “investigação científica e formação das classes dirigentes”, e “através da ciência e perseverança recuperar a hegemonia no âmbito da Federação”. Com a ida de Fermi para os Estados Unidos, Fermi indicou para a USP um de seus melhores discípulos, Gleb Wataghin, que desenvolveu a Física no Brasil, com Cesar Lattes, Mario Schenberg, Marcelo Damy, Paulus Pompeia, e tantos outros, daí derivando nossa indústria eletromecânica, a Embraer, dentre outras.

E assim caminha a humanidade.


Ricardo Guedes é formado em Física pela UFRJ, Ph.D. em Ciências Políticas pela Universidade de Chicago, e CEO da Sensus

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