
O livro “A Civilização em Risco”, de autoria do Professor Marcus Eduardo de Oliveira, cujo título fala por si, traz à reflexão dos leitores um tema crucial para entendermos a gênesis da crise ambiental, tardiamente colocada no topo da agenda internacional e, por consequência, na pauta das políticas públicas dos Estados Nacionais.
No ocidente, desde a revolução industrial de meados do século XVIII, a humanidade vem experimentando um progresso material sem precedentes na história da civilização, deixando marcas profundas na organização política e socioeconômica do planeta nos últimos dois séculos, marcadas por transformações exponenciais na forma de pensar e de agir dos seres humanos.
Essa realidade não se restringiu em modificar apenas a estrutura econômica, mas criou paradigmas que modificaram, radicalmente, as relações dos seres humanos entre si e com a natureza, em decorrência, também, dos avanços das comunicações, da transmissão ágil da informação, da comunicação instantânea e das modernas técnicas de marketing, com capacidade de influenciar as atitudes das pessoas e o imaginário coletivo.
Os novos padrões de produção industrial e agrícola, vale dizer, os novos sistemas econômicos progrediram numa escala vertiginosa, sem considerar nenhum tipo de aspecto ecológico, ignorando a capacidade de resiliência dos sistemas naturais. Ou seja, cometemos o equívoco de construir um sistema econômico apartado dos sistemas naturais, ignorando que a economia produtiva não funciona sem as matérias-primas e os insumos retirados da natureza e dos seus ecossistemas.
Essa visão distorcida da civilização contemporânea na sua relação com o planeta foi influenciada por dois grandes mitos construídos ao longa do processo civilizatório, mas reforçados pela revolução industrial e pelo enfoque materialista que caracterizou o progresso humano nesse último século: o paroxismo antropocentrista e a falsa ideia da inesgotabilidade dos recursos naturais.
O antropocentrismo arraigado criou a ilusão de que os seres humanos estão acima da teia da vida, que poderiam viver como se fossem uma ilha, atores exógenos da história natural.
Ledo engano.
Como sabemos, o homo sapiens não sobrevive sem os demais seres vivos e o meio físico que o cerca. No mundo, especialmente no ocidente, essa visão sempre foi reforçada pelas religiões monoteístas, que colocam o homem como o centro de tudo, como o senhor de tudo, para o qual todos as coisas foram feitas.
Essa leitura radicalmente antropocêntrica acaba de ser contraditada de forma exuberante pela encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, que ao fazer uma releitura do Antigo Testamento e dar nova interpretação a essa questão à luz dos Evangelhos, coloca o homem como parte da criação e não como dono das criaturas, retomando os ensinamentos de outro Francisco, o de Assis. Assim, na esfera das religiões, o Papa traz à reflexão uma profunda mudança de conceito para explicar a relação seres humanos-natureza e influir nas relações das sociedades humanas com os ecossistemas, tornando-as menos perdulárias e mais amigáveis.
Todavia, não podemos ignorar que como ser dotado de inteligência, o homem exerce o protagonismo não somente no meio social, mas também, no meio natural, pois é o único ser vivo dotado de poder de escolha e decisão sobre a vida no planeta. Até aqui tem exercido esse poder de forma irracional e insustentável. Mas, também, é o único com inteligência para refazer o que foi destruído.
Os novos modelos econômicos e os sistemas de produção em escala planetária encontram a sua razão de ser noutra distorção das sociedades ditas modernas – o hiperconsumo, o advento de padrões de consumo que não guardam nenhuma relação com as necessidades reais de uma vida digna. Como se sabe, as pessoas consomem por necessidade e desejo.
Uma economia exclusivamente baseada no consumo, o marketing comercial e a mídia transformam o desejo numa máquina de consumir, criando um modelo de consumo supérfluo, socialmente imoral e culturalmente perverso, alimentado, ainda, pela vocação hedonista visceral de parcela da sociedade, que deseja fruir o prazer pelo prazer sem nenhum limite ético, sem preocupação com o próximo e o planeta.
Como essa questão fica restrita ao debate acadêmico e à pequenos grupos dos estamentos sociais que trabalham ou se preocupam com o tema, essa realidade não é percebida pelo povo e não se instala no imaginário coletivo, dificultando os esforços, ainda que tímidos, de chamar a atenção para a gravidade do problema. E o problema está à vista, como nos ensina o Professo Marcus Eduardo.
As pesquisas realizadas pelo professor Marcus indicam que o consumo de bens naturais já extrapolou a capacidade de suporte do planeta. Aqui, o mito da inesgotabilidade dos recursos naturais está cobrando um preço alto, pois o volume consumido já é superior à capacidade do planeta de regenerar-se naturalmente.
Esses dados, não incluem, lamentavelmente, o fato de que existe no mundo, na atualidade, em torno de 1 bilhão de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza, com renda diária menor do que 2 dólares, o que significa que estão completamente excluídos dos mercados de consumo. Estamos na era do capitalismo autofágico, embora a situação não seja melhor nos países não capitalistas.
Nesse contexto, da autofagia do capitalismo, a cultura do desperdício, amplificada pelo crescimento populacional, pela explosão demográfica, que passou de 3 bilhões de habitantes para 8 bilhões, em apenas 6 décadas, tem provocado a geração de resíduos sólidos, emissão de gases e lançamento de efluentes líquidos em quantidade e intensidade sem precedentes, afetando o planeta de forma drástica, com efeitos perigosos e perturbadores para o equilíbrio ecológico, em escala planetária. Na escala geológica, o que está em risco, como se constata neste livro, é a humanidade e não o planeta, que já teve outras formas no passado longínquo e que já testemunhou várias extinções de outras formas de vida.
Por isso, não devemos olvidar que o planeta terra, como lar da humanidade, é um só, não admite expansão, não oferece a possibilidade de fazer “puxadinho”. Isso implica na necessidade de uma nova economia, novos paradigmas de produção e consumo, novas tecnologias poupadoras de recursos naturais e, sobretudo, mudanças de comportamento da sociedade e de atitudes dos cidadãos rumo à sustentabilidade, não como slogan, mas como forma concreta de proteger a humanidade dos seus próprios desatinos.
Não se pode menosprezar o desenvolvimento científico e tecnológico como meio para suprir as atuais e novas demandas da superpopulação planetária, mas ele tem sido insuficiente para evitar a escassez de determinados recursos e nada indica que poderá ser uma solução definitiva no futuro, embora seja esta a aposta da economia neoclássica.
Vivemos um tempo de incerteza e insegurança, mas, também, estamos no início de uma revolução digital de efeitos ainda não mensurados em toda a sua extensão e que pode trazer mudanças mais profundas do que a revolução industrial.
Talvez tenha chegado a hora de um novo Renascimento.
O momento de agir é agora!!!
*Pósfácio do livro “A Civilização em Risco” de Marcus Eduardo de Oliveira.
José Carlos Carvalho é Engenheiro Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Doutor Honoris Causa pela Universidade e Lavras, Conselheiro do Instituto Inhotim e da Fundação do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. Foi Ministro do Meio Ambiente e Secretário do Meio Ambiente de Minas Gerais. Autor.