
Os índices de aprovação do trabalho dos governantes variam de país para país, dependendo de fatores específicos relacionados à economia, à política, às crises, às “entregas”, à liderança, à empatia, à fadiga de material, entre outros.
Índices elevados de aprovação são raros e o que se observa, na verdade, é a prevalência de desaprovação do trabalho dos incumbentes em ciclos presidenciais em geral.
Com efeito, numa amostra de 22 países (“Morning Consult”, 27-05/março/2025), a desaprovação dos governantes é maior que aprovação em 73% dos países, com médias respectivas de 51,7% (negativa) e 38,8% (positiva). Já em levantamento de março deste ano de 2025, da “CB Consultora”, em 10 países da América do Sul, a desaprovação supera a aprovação em 90% dos casos, com médias de 56,8% (negativa) e 39,8% (positiva), em respectivo (20 pontos percentuais de diferença).
Neste último levantamento, vale notar, apenas o primeiro colocado do ranking tem aprovação maior que a desaprovação (52,9% positivo a 42,7% negativo). Os demais incumbentes estão desaprovados pelos seus representados.
Ainda que à míngua de evidências empíricas mais amplas, é lícito prospectar que o padrão universal do mundo contemporâneo é muito possivelmente esse retratado acima, no qual prepondera a desaprovação de governantes.
Afinal, por que nos tempos atuais as sociedades são tão críticas ao desempenho de seus dirigentes?
Não há resposta simples para essa indagação, face aos contextos sociais, econômicos e políticos de cada país. Entretanto, apenas à guisa de mera delibação, pode-se listar alguns fatores que provavelmente influenciam a percepção pública dos cidadãos:
(1) A crise na democracia liberal causada pelo crescente hiato de representação tem levado as instituições e o modelo de governança ao descrédito. Envolta nessa névoa de decepção e desconfiança, a população se torna mais crítica e menos benevolente com governos e incumbentes.
(2) O acirramento das visões polarizadas em muitos países gera bolhas ideológicas apartadas e interdição de diálogo. A avaliação e aprovação de governos e governantes tende a ser menos consensual, refletindo muito mais as manifestações predominantes dos próprios bandos. Nesse contexto, o espaço se estreita para conquista de aderentes. Daí os tetos sob os quais gravita a popularidade dos incumbentes
(3) Há múltiplas questões permeando o dia a dia da sociedade moderna: economia, meio ambiente, direitos civis, gênero, geopolítica, raça etc. No âmbito desse caleidoscópio temático, o indivíduo tende a dar relevância àquelas questões que lhe parecem mais essenciais para o seu dia a dia, julgando o desempenho do incumbente pelo atendimento de suas aspirações seletivas.
(4) Em tempos de ruptura tecnológica a internet e as redes sociais levam o indivíduo a assumir a centralidade das comunicações, dispensando intermediações institucionais. Imperam a informação direta, horizontalizada e a sacralidade da visão de mundo do indivíduo, campo propício para amplificação de críticas e insatisfações. Nesses ambientes de virtualidade em que se exige consonância cognitiva entre emissores e receptores de mensagens, a apreciação dos governantes se torna naturalmente mais rigorosa.
(5) As posições e manifestações das pessoas quanto à religião, desigualdade, temas sociais e comportamentais, identitarismo etc., tendem a exacerbar tensões na coletividade, separando os indivíduos e reduzindo espaços para argumentação e convencimento lógico. Em tal contexto, de certa calcificação do estado mental do indivíduo, a faixa da população passível de conquista por iniciativas, ações ou narrativas governamentais é bastante estreita.
(6) A crise pandêmica da COVID–19 desarticulou os sistemas produtivo e distributivo mundo afora, trazendo recessão, desemprego, inflação, entre outras consequências econômicas que perduram até hoje, afetando diretamente o dia a dia das populações. Os líderes incumbentes foram e são cobrados por medidas mitigadoras desses efeitos econômicos, em especial no que diz respeito à inflação, que corrói o poder de compra de todos, mas castiga principalmente os menos favorecidos. Como a capacidade de resposta dos governantes é limitada e demanda tempo de materialização, as sociedades se impacientam e se indignam, manifestando seu desagrado através de atribuição de notas baixas de desempenho administrativo aos mandatários.
(7) Na busca de sustentabilidade das contas públicas os governos geralmente trabalham sob restrições orçamentárias e fiscais. Carecem, assim, de maior poder discricionário e flexibilidade para investir em áreas prioritárias ou atender demandas coletivas básicas. Isso em meio a um mundo interdependente, em cujo contexto globalizado há menos autonomia de atuação, o que limita ainda mais o cumprimento da agenda de políticas públicas interna corporis. A consequência inevitável é a insatisfação da coletividade com a direção do país.
Em síntese, na maioria dos países do mundo moderno, quando as populações são auscultadas sobre o atendimento de suas expectativas, predomina uma ótica rígida de julgamento em que a desaprovação popular ao trabalho dos governantes é sobressalente. E não raro, mesmo onde a aprovação supera a desaprovação, os índices mostram-se apenas uns poucos pontos percentuais acima do seu oposto, retratando sociedades literalmente divididas no apoio aos seus mandatários.
Alguns governantes se queixam de que há desconexão entre os bons resultados de algumas importantes variáveis macroeconômicas do governo (como, por exemplo, crescimento do PIB, equilíbrio no balanço de pagamentos, superávit fiscal, diminuição da taxa de desemprego, controle da inflação etc.) e a percepção cotidiana da população. Daí as avaliações adversas nos índices de popularidade. Naturalmente essas conquistas fundamentais se traduzirão em benefícios à coletividade mais adiante. Entretanto, na microeconomia, onde se trava a peleja do dia a dia do cidadão comum, onde “a vida é vivida”, onde, em muitos casos, a luta é pela sobrevivência, não há paciência para aguardar melhorias que advirão do spill over dos resultados da macroeconomia. As narrativas dos feitos das autoridades governamentais precisam estar em consonância com a realidade cotidiana do povo.
É oportuno, à guisa de peroração, lembrar Manuel Castells, para quem a neurociência tem demonstrado que as pessoas são animais emocionais e que são as emoções e sentimentos que determinam seu comportamento. Então, o grande desafio do governante nas democracias liberais vai além de aplicar políticas públicas racionais. É necessário desencadear emoções positivas nas pessoas, ao invés de emoções negativas, o que, pelo visto, não se está conseguindo…
Maurício Romão é Ph.D. em Economia pela Universidade de Illinois, Estados Unidos, e Fundador e Coordenador do grupo “Pesquisas em Definitely” com a participação de Pesquisadores de Mercado e Opinião no Brasil. Artigo originalmente publicado no Observatório ABRAPEL – Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais.